terça-feira, setembro 23, 2008

Drácula pós-moderno


No passado fim de semana, tal como referido, a estreia de Sábado à noite não foi só o noitibó. As redes também tinham um morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus) para retirar, que aparece na foto ao lado inteirinho. E para, efeitos do que se vai escrever a seguir, faz de conta que tinha umas luvas calçadas.
Toda a gente está careca de saber algumas características dos Quirópteros, voam, orientam-se por eco-locação, a maioria das espécies é nocturna, etc., etc. Também são mais do que conhecidos alguns mitos que rodeiam estes bichos, que se emaranham nos cabelos, todas as histórias de vampiros, condes Dráculas, blá, blá, blá. Mas, provavelmente bastante pior do que senhores feudais da Transilvânia por aí a voar e a morder pescoços alheios, é a caixinha de surpresas que um morcego pode ser.
Na Europa, a par das raposas e de outros carnívoros silvestres, os morcegos são o principal reservatório silvático da raiva. Na verdade, uma única espécie, o morcego-hortelão (Eptesicus serotinus) é responsável por cerca de 95% dos casos de exposição a Lyssavirus na Europa. No Sul da península Ibérica, as populações desta espécie foram recentemente reclassificadas como E. isabellinus, que também está presente no Norte de África e o seu papel na epidemiologia destes vírus foi investigado. Concluiu-se que cerca de 20% dos indivíduos das colónias amostradas em Huelva, Sevilha e Granada apresentavam ou anticorpos anti-EBLV (European Bat Lyssavirus) ou presença de RNA na saliva ou outros tecidos. [Vázquez-Morón 2008]
Repararam nas localidades? Tanto quanto se sabe, os morcegos desconhecem o conceito de fronteiras e é bastante provável que do lado de cá também haja alguns morcegos (e quiçá outros seres) raivosos. Enquanto as autoridades acharem que é suficiente só vacinar os cães domésticos como peça fundamental do plano nacional de luta contra a raiva, nunca se vai chegar a saber exactamente qual a situação desta e de outras doenças no país. Por enquanto, continua a existir um bocado a política "o que não sei, não existe".
Mas há muito mais. No Sudeste asiático, dois Henipavírus, semelhantes a Paramyxovirus (que causam varíola e outras coisas giras), o vírus Nipah e o vírus Hendra (responsáveis por meningoencefalite no Homem), têm sido detectados anticorpos em cerca de 50 % dos indivíduos das colónias de raposas-voadoras (Pteropus spp.) estudadas. [Wild 2008]
Para além disso, diversas espécies de morcegos têm sido implicados como reservatório de vírus Marburg [Swanepoel 2007], de Ebola [Wong 2007] e de Coronavirus muito semelhantes ao que foi responsável pela epidemia de SARS. [Cui 2007]
Isto tudo para dizer que após este contacto imediato de III grau e de alguns morcegos orfãos qu passaram por casa, já tenho desculpa pela fama (imerecida) de mau feitio ocasional. É que são os vírus na cabeça...

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