sexta-feira, agosto 03, 2007

Acanthisittidae

Como se não fosse suficiente estar o dia inteiro rodeado de animais, ainda me dá na cabeça vir para aqui escrever sobre eles. E ainda por cima numa sexta-feira à noite, quando me preparo para ir roncar, graças à brilhante conjugação do facto de amanhã trabalhar e estar perfeitamente derradeado. A minha esperança, confesso, é um dia o Guia de Campo estar à altura dos lindos blogs que aparecem em Science Blogs e ser reconhecido como instotuição de reconhecida utilidade pública, graças à inesgotável sapiência do seu escriba (cof... cof...). Até lá, serão vocês a aturar-me, enquanto se questionam de onde vou eu buscar estes temas esquizóides.
A Nova Zelândia não é só aquele sítio nos nossos antípodas, onde o Senhor dos Anéis foi filmado, pleno de paisagens espantosas. Obviamente, a sua fauna é extremamente particular, ou não estaríamos aqui a falar dela (das plantas que falem outros). Infelizmente, a maioria dos seus representantes não resistiu às ondas de invasões de polinésios e, mais tarde, inglesas e todas as hordas de ratos, porcos, raposas, veados e outras bichezas que fizeram uma razia a tudo quanto era fauna autóctone. Assim, só é possível montar os ecossistemas completos do arquipélago graças aos vários fósseis e outros vestígios que chegaram aos nossos dias. E é provável que uma terra que outrora albergara seres como as maiores aves à face da terra (moas), a maior águia (Harpagornis sp.), osgas gigantes, grilos predadores, papagaios ápteros e uma colecção de outras criaturas nos reserve várias surpresas.
À primeira vista, as carriças-neozelandesas (Acanthisittidae), uma das 3 famílias de Passeriformes endémicas na ilha, passariam despercebidas ao observador casual. Pássaros insectívoros de pequenas dimensões, bico estreito e fino, cauda reduzida e plumagem inconspícua em laivos de verde e castanho. Sobreviveram até aos dias de hoje 2 espécies mas outras 2 não tiveram a mesma sorte.
A carriça-da-nova-zelândia (Acanthisitta chloris) é a ave endémica de menores dimensões das ilhas e a mais abundante das 4 espécies conhecidas. É um fraco voador, alimenta-se de insectos capturados em troncos ou na vegetação e usa esquemas de cuidados aloparentais, fornecidos por juvenis de ninhadas anteriores ou adultos, geralmente machos, para ajudar a criar as crias.
A carriça-das-rochas (Xenicus gilviventris) habita zonas rochosas alpinas e sub-alpinas na ilha do Sul, onde se alimenta de insectos. É capaz de sobreviver à neve abrigando-se em buracos no solo.
O dia da descoberta para a ciência da carriça-da-ilha-stephen (Xenicus lyalli) coincidiu com o dia em que foi dada como extinta, em 1894. Pouco se sabe sobre a biologia e hábitos desta espécie, já que apenas foram observados 2 indivíduos em vida, mas pensa-se que tenha sido o equivalente ecológico dos pequenos roedores. Tinha a particularidade de ser o único passeriforme incapaz de voar.
As 3 subespécies da carriça-do-mato (Xenicus longipes), que habitavam a ilha do Norte, ilha do Sul e ilha Stewart desapareceram, respectivamente, em 1955, 1968 e 1964, não resistindo à pressão exercida pelos ratos e ratazanas introduzidos. A introdução acidental de roedores na ilha Stewart na década de 60 foi um dos piores desastres ecológicos de que há memória, embora pouco conhecido, tendo levado à extinção de várias espécies de Aves e de um morcego, todos endémicos.


Desde a sua descoberta, que se sabia serem Passeriformes basais e após as análises moleculares de Sibley e Monroe chegou-se à conclusão que esta família estava na base da radiação da Ordem. Eis então o que se pensa ter passado: por volta de uns 85 milhões de anos atrás, quando a Nova Zelândia se separou do resto de Gondwana arrastou consigo, entre outros, os antepassados das carriças-neozelandesas. Os outros 2 grandes de Passeriformes, Sub-oscines e Oscines só se terão separado mais tarde, tendo a sua origem no Hemisfério Sul e provavelmente tendo de competir com os Enanthiornithes, provenientes do Hemisfério Norte.

Talvez alguns dos ilustres doutores da biologia que por aqui passam possam contribuir com algum do seu conhecimento para elucidar sobre os mistérios desta família. Outro mistério é porque é que me lembro de escrever posts destes?

Sem comentários: