sexta-feira, junho 29, 2007

Devaneios evolutivos (continuação)

Continuando esta fantasia biogeográfico-evolutiva, disfarçada de pseudo-ciência, passamos dos fringilídeos, família bem representada em número de espécies no arquipélago, mas pouco interessante do ponto de vista ecológico, já que basicamente se assemelham aos seus parentes continentais.
Bem mais interessantes são outras famílias de passeriformes.
Estorninho-artesão (Sturnus habilis)
Apesar de se assemelhar morfologicamente mais com S. unicolor, esta espécie insular é descendente de S. vulgaris, facto comprovado por análises moleculares. Estes estorninhos vivem por todo o arquipélago em pequenos bandos familiares, geralmente compostos por um casal, que se mantém junto toda a vida e alguns juvenis provenientes de posturas anteriores que ajudam a criar a nova geração de estorninhos. Habitam preferencialmente zonas costeiras e abertas a baixa altitude. À primeira vista, parece apenas uma variedade negra e de maiores dimensões de qualquer estorninho, mas as primeiras observações do comportamento desta espécie deixarm meio mundo da etologia animal boquiaberto. À semelhança de uma gralha (Corvus moneduloides) da Nova Caledónia, o estorninho-artesão utiliza e constrói uma série de ferramentas que lhe permitem utilizar recursos alimentares das ilhas, até então inacessíveis. A lista de utensílios vai desde pequenos espetos que usa para retirar larvas de insectos de cavidades, almofarizes para quebrar sementes e conchas de moluscos e crustáceos, pequenas lanças de ponta serrilhada usadas para capturar pequenos peixes na maré baixa, ganchos usados para retirar crias de aves marinhas dos seus ninhos escavados no solo, até pedras usadas como arma de arremesso contra predadores naturais. A construção destes utensílios é aprendida pelos juvenis e varia ligeiramente de ilha para ilha e crê-se que esta lista de ferramentas venha a aumentar.

Falso-olho-branco (Sylvia leucophthalma).
Após a revisão feita por Sibley e Monroe à taxonomia das Aves, foram descbertas relações profundas entre grupos aparentemente não aparentados. Tal foi o caso das felosas do género Sylvia, que afinal não eram felosas mas sim Zaragateiros (família Timalidae), que também englobaria os olhos-brancos (Zosterops sp) e afins. O falso-olho-branco dos Açores parece simbolizar ironicamente essa associação, graças ao anel orbitário branco tão característico de Zosterops, ao comportamento típico de uma Sylvia e às dimensões corporais mais próximas de zaragateiros típicos. Encontra-se nos grupos oriental e central e todas as zonas com um mínimo de coberto vegetal arbustivo e/ou arbóreo. A sua alimentação é diversificada, incluíndo insectos e outros invertebrados, frutos e bagas.

Torda (Turdus castaneus)
Durante os primeiros anos de observação desta espécie, pensava-se só encontrar fêmeas, permanecendo o aspecto e canto dos machos um mistério. Após as primeiras capturas de indivíduos, comprovou-se que praticamente não existem diferenças morfológicas entre os 2 sexos, sendo um exemplo interessante como o isolmento insular leva ao aparecimento de espécies de aves com plumagem tão inconspícua. Presente em praticamente todos os habitats terrestres em todas as ilhas, são omnívoros, embora com uma preferência por matéria vegetal.

Piu-pardos (Azorornis)
Quando observados pela primeira vez, pensou-se estar na eminência de um problema zoogeográfico, graças às semelhanças destas pequenas aves com as carriças neozelandezas (Acanthisitta sp). Após as primeiras análises moleculares a comunidade ornitóloga pôde respirar de alívio, já que os parentes mais próximos dos piu-pardos eras as estrelinhas (Regulus sp).
Ao longo de milénios de isolamento, os seus ancestrais sofreram uma mini-radiação adaptativa e actualmente, os piu-pardos ocupam todos os ninhos de insectívoro arbóreo em praticamente todas as ilhas: Azorornis micrurus no grupo central, A. bicolor em Sta. Maria, A. longirostris em S. Miguel e A. florensis no grupo ocidental.
Carriço (Enigmornis longipes)
Apesar da pouca diversidade de espécies, os Açores têm proporcionado alguns problemas taxonómicos aos ornitólogos. Quando foi descoberto, ninguém sabia em que família colocar o carriço e pensou-se que este seria um Turdidae, um Muscicapidae ou mesmo aparentado com os piu-pardos e portanto, Sylvidae (ou Regulidae). A sua aparência estranha levou até a pensar-se num qualquer Furnari perdido no meio do Atlântico. Novamente, foram as análises moleculares que salvaram o dia e apontaram como antepassado desta espécie o vulgaríssimo pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula). O carriço pode ser visto como um pisco de grandes dimensões (alcança as 60 g de peso), com caudae asas reduzidas e patas desenvolvidas e que reteve parcialmente a plumagem de juvenil. Está presente em todas as ilhas, alimentando-se de invertebrados capturados no solo da floresta.

1 comentário:

Anónimo disse...

Acho que a ideia de "evoluir" as especies de aves açoreanas muito boa.
Queria tambem dizer que deves continuar!!!!!!!
Um abraço.